Novos dados sobre competição de recursos no sobreiro e impacto das secas

Alexandra Correia, investigadora do INIAV, apresentou novas conclusões sobre a forma como o sobreiro gere os seus recursos entre crescimento reprodutivo e vegetativo, num estudo desenvolvido em colaboração com o ISA e o INIAV, e que contou também com a participação da investigadora Catarina Bicho.

A investigadora sublinha que entender o funcionamento do sobreiro e do montado “é essencial para preparar a gestão florestal para um clima em rápida mudança”.

O ensaio decorreu numa plantação de cerca de 180 árvores por hectare, e 50 anos de idade, e é uma das mais longas séries de monitorização existentes em montado português – com cerca de dez anos – oferecendo novas ferramentas para antecipar comportamentos do ecossistema e melhorar a gestão florestal.

As conclusões deste estudo permitem:

  • Prever anos favoráveis à produção de bolota;
  • Definir calendários mais seguros para o descortiçamento;
  • Antecipar respostas da árvore a eventos climáticos;
  • Ajustar práticas de gestão, plantações e viveiros.

Esta apresentação foi feita no Seminário “Montado e Cortiça – Simbiose e Futuro”, organizado em Portel no passado dia 27, pelo Município de Coruche, com o apoio da Filcork e da autarquia de Portel.

Folhas, flores e cortiça competem pelos mesmos recursos

O estudo analisou como as oscilações climáticas anuais influenciam a produção de folhas, flores, bolota e cortiça. A investigadora explicou que o sobreiro, apesar de tolerante à seca, revela perdas significativas de produtividade quando enfrenta défices hídricos severos, afetando o crescimento da copa, do tronco e a produção de estruturas reprodutivas.

A equipa procurou identificar em que momentos a árvore prioriza o investimento em crescimento reprodutivo — flores e bolotas — ou vegetativo — folhas e tronco. Os resultados mostram que existe competição direta por recursos: verões e primaveras com temperaturas mais elevadas e maior chuva acumulada no inverno favorecem o crescimento foliar; anos com menor precipitação anterior e temperaturas primaveris mais baixas tendem a promover maior investimento reprodutivo.

Torre de fluxos permitiu observar o ecossistema em detalhe

A investigação contou com uma torre de monitorização instalada sobre as copas dos sobreiros, equipada com sensores de CO₂, água e variáveis meteorológicas. Esta estrutura permitiu avaliar diariamente a produtividade líquida do ecossistema e perceber como o montado responde a eventos como secas, primeiras chuvas, descortiçamento ou variações bruscas de temperatura.

Segundo a investigadora, todos os ecossistemas arborizados monitorizados ao longo de 20 anos em Portugal comportaram-se como sumidouros estáveis de carbono, embora com amplitudes diferentes. No montado estudado na Herdade da Machoqueira do Grou, em Coruche, o sequestro médio oscilou entre 250 g e 400 g de carbono por metro quadrado por ano, influenciado sobretudo pela precipitação anual.

Secas alteram o timing do crescimento da cortiça

Um dos resultados mais relevantes do estudo diz respeito ao impacto das secas hidrológicas na renovação das copas e no crescimento da cortiça. Durante os anos secos observou-se:

  • Antecipação do crescimento radial (lenho + cortiça) em cerca de um mês;
  • Crescimento simultâneo da cortiça e da renovação foliar, gerando competição por fotoassimilados;
  • Menor capacidade fotossintética, devido à convivência prolongada entre folhas velhas e novas;
  • Fim prematuro do crescimento da cortiça, que cessava no início do verão.

Nos anos húmidos verificou-se o oposto: queda de folhas muito concentrada na primavera, copa totalmente renovada até junho e um período de crescimento de cortiça mais longo e estável.

Gestão do descortiçamento pode ter de ser ajustada

Os dados recolhidos ainda permitem identificar períodos mais seguros para o descortiçamento. Em anos secos, o intervalo em que a cortiça pode ser extraída sem comprometer a recuperação da árvore reduz-se para cerca de um mês, enquanto, em anos húmidos, pode estender-se até três meses.

Forçar ou antecipar o descortiçamento em anos de seca prolongada pode comprometer a vitalidade do sobreiro, alerta a investigadora.